sexta-feira, 8 de abril de 2011

O VALOR DO SILÊNCIO

O dia 07/04/2011 não será esquecido tão cedo em Realengo, no Rio de Janeiro.  Infelizmente, entrou pra História por motivos tristes. Mas não quero reafirmar o óbvio. Me parece inútil tentar mensurar a dor das famílias que perderam seus filhos, o medo daqueles que sobreviveram, ou o trauma dos feridos. Não preciso manifestar meu horror, minha repulsa, e minha ânsia pela vingança que nunca será concretizada (vingança, sim, pois o que aconteceu jamais poderia ser reparado pela Justiça). Meu horror não é uma mísera fração do sentimento daqueles que presenciaram a tragédia, minha repulsa não é nada comparada à dor das famílias das vítimas, e minha idéia de reparação pouco contribuiria para diminuir a violência que tanto recrimino.



Quero falar do silêncio. O dia de ontem foi tomado pelo noticiário da tragédia. Como muitos, praticamente acordei com a notícia. É natural, não poderia ser diferente. Fatos assim produzem ondas que vão se espalhar até a normalidade retornar. Se retornar. A repercussão é normal. A exposição, por outro lado, exige critérios. Hoje é dia 08/04/2011. Pouco mais de 24 horas se passaram, e na TV já temos reconstituições em 3D de todo o crime, nos jornais e portais já temos detalhes dos requintes de crueldade com os quais as crianças foram executadas. Não é preciso procurar muito para achar vídeos e fotos que mostram graficamente o tamanho da violência. Pesquisando um pouco mais, é possível encontrar até a descrição dos ferimentos das crianças atendidas nos hospitais, e ler várias declarações daquelas que escaparam (crianças, narrando o inenarrável). Infográficos, fotos e vídeos de celular, entrevistas com especialistas de toda e qualquer área. Muita informação, e uma mesma mensagem: não desligue a TV. E nós não desligamos.

Por que tantos detalhes da tragédia? Por que precisamos de tanta informação para saber o quão horrível foi o dia 07/04? Será que vamos ignorar a importância do fato se não soubermos o destino de cada uma das balas disparadas? Não causa surpresa a maneira como a mídia (como um todo) se comporta. A cada desastre, cada morte notória, cada vez que o público demonstra interesse, a liberdade de imprensa é extrapolada. Perdem-se seus limites, perdem-se seus critérios. Mas parece que contribuímos para isso. O cenário já é conhecido de outros casos: pais falam aos microfones sobre a morte dos filhos logo após o reconhecimento no IML. Mães postam no Orkut o lamento pela perda de suas filhas no mesmo dia em que tomam conhecimento. Sem dó e nem piedade, repórteres interrogam  pessoas que perderam a família inteira no último desastre natural da semana. A cada momento de dor, somos compelidos a buscar e fornecer mais informação.

Esquecemos o valor do silêncio, a importância do luto. Não sabemos mais como manifestar nosso respeito à imagem e à memória dos mortos. Admitimos a transformação das vítimas em personagens de uma narrativa aberta ao público, e justificamos dizendo que é porque nos importamos com elas.  Não sei se é sadismo, narcisismo, ou pura inércia. Talvez seja medo da nossa própria insensibilidade. Será que se a TV não nos disser que devemos sofrer, então não vamos sofrer? Vamos chorar se ninguém estiver assistindo? Tenho uma única resposta a essas questões: não precisamos expor dessa forma todas essas crianças (as que morreram, as que sobreviveram, e as que assistem a tudo na TV). Tenho certeza de que nesse momento precisamos ensinar a elas o valor do silêncio. Do respeito.  E, principalmente, da reflexão. Com todo esse barulho, fica difícil pensar.

Em tempo: Vivemos a sociedade da informação (torno a afirmar o óbvio). Todo mundo tem um blog, uma página em rede social, uma maneira de expressar (para quem quiser ver) as suas opiniões, sentimentos, e ansiedades (acho que a última categoria tende a aparecer nas entrelinhas, ou mesmo entre parênteses). Eu não tenho um blog, mas gostaria de publicar esse texto, então faz sentido criar um. Farei isso. Talvez esteja sendo hipócrita, mas acho que penso melhor quando escrevo, e acho que algumas coisas precisam ser lidas. Ao menos escrevi em silêncio.

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